Censurada
7 de Setembro de 1968
– Qual a sua atitude perante o Novo Cinema?
É uma atitude de expectativa. Quando aparecem realizadores, para não dizer ainda autores – que é a palavra correcta – como Paulo Rocha e Fernando Lopes; talvez... como prometem vir a ser o António-Pedro Vasconcelos, o Seixas Santos, e numa outra dimensão, o Fonseca e Costa, creio que essa expectativa se justifica. Por mim, sei o que quero e o que não quero fazer: nada, além da simpatia, me liga a qualquer modelo, Novo ou Velho. Sou e serei ultrapassado pelos acontecimentos – é uma certeza amarga como ser português. Quando há já uns anos defini em entrevista ao semanário Témoignage Chrétien, o cinema que gostaria de fazer, enunciei alguns dos princípios que hoje explicam a produção do underground film e em particular do expanded cinema. Se pusesse agora em prática essas minhas antigas ideias faria a figura de um epígono. O mesmo acontecerá certamente aos meus colegas-de-cinema-novo. É dentro das próprias obras que a novidade tem que revelar-se. Quando um filme é realizado quatro ou cinco anos depois de ter sido projectado – tudo ameaça, obviamente, a sua novidade. Esta é ainda possível? Certamente, mas o risco é maior. É isto de corrermos a todos os riscos – o que talvez nos defina em comum. Nenhuma constante estética, trata-se apenas de um comum denominador moral.
– De que modo significativo encontra dentro das coordenadas da cultura portuguesa?
Na medida das suas diversas qualidades estéticas, todas a longa-metragens apresentadas nos recentes “Semanas” do Novo Cinema por iniciativa do cine-clube do Porto, retomada em Lisboa) me parecem carregados de significado socio-cultural – e esse será porventura o seu maior mérito. À parte o meu filme ("que se move sempre alguns centímetros acima do solo, é moralmente funâmbulo" como o classificou agradavelmente – para mim – o crítico dos Cahiers) todos os outros relevam... vir a realizar filmes de grande interesse. Não valem muito mais que isto? Mas isto não é enorme?
– Qual, a seu ver, o caminho para sair do actual impasse?
É preciso correr ainda mais riscos. (Precisamente o contrário é que é perigoso: que se acredite e aceite qualquer solução fácil, só relativamente fácil).
– O problema da produção, como o encara?
Não sou um especialista na matéria – a não ser quanto aos meus próprios projectos. A esse respeito, o futuro dirá, se sou um bom ou mau especialista.
– Projectos?
Fazer cinema de 35, em 16 e 8 milímetros, enfim, em todas as dimensões possíveis. Mas também, e sobretudo, fazer cinema que exceda o filme como meio; e até, fazer cinema fora do cinema. Para a realização deste programa comecei por me interessar por uma actividade pedagógica que o Curso de Formação Artística da SNBA tornou fragilmente possível, com uma abertura sobre a comunicação audiovisual. Afastei-me um pouco do meio vá-vá-ao-cinema; e julgo que me afastarei ainda mais no futuro. Encenei peças de teatro, estudei a "arte popular", e saltei para o palco onde John Cage lera as suas anedotas em muitas línguas, algumas inventadas. Não vi nenhum cineasta no recital da Cate Berberian ó diabo isto vai mal. (Então só o Paredes?) E cada vez me afasto mais do meio vá-vá ao cinema. Fazer cinema pelo e para o cinema? Que coisa obsoleta! Então nem um cinema da crueldade? Enfim, e resumindo, quanto a projectos: fazer tanto cinema, dentro e fora do cinema, até conseguir matar, destruir, sheltoquizar o cinema – como cinema.
– Por que tem estado inactivo?
Inactivo? Que grande mentira! Isto tem sido apenas suspense.