inédito ou de publicação não localizada
1974
Excerto publicado em Ernesto de Sousa: Revolution My Body [catálogo], Lisboa, FCG, 1998.
A propósito da segunda exposição da AICA (mais precisamente da "Expo AICA SNBA 74") realizou-se um debate público, durante o qual alguns dos críticos responsáveis pelas diversas secções daquela manifestação, justificaram e discutiram as suas opções. (…) A minha secção tinha por objectivo esclarecer certos aspectos da vanguarda actual, e intitulava-se "Projectos-Ideias".
O debate referido começou com uma pergunta minha dirigida a Rui Mário, que em jeito de amável ironia tinha afirmado ser ele o herdeiro a das minhas ideias e opções dos anos 40 – anos em que se fez a defesa polémica daquilo que se chamou então o neo-realismo (eufemismo de guerra, pois a censura não permitiria a utilização de qualquer noção mais correcta, como seria realismo socialista ou realismo dialético, por exemplo). Rui Mário referiu-se ainda ao interesse dos anos 60 pela arte popular e pela arte ingénua, que de certo modo constituíram o tema da sua intervenção na 1ª exposição da AICA em 1972. Embora concordando no interesse indiscutível das correntes a que hoje mais genericamente se pode nomear como realismo crítico, respondi a Rui Mário que na minha opinião os principais herdeiros, hoje, da grande esperança romântica (e expressionista) que foi o neo-realismo dos anos 40-50, eram a vanguarda, apesar da sua diversidade e contraditória afirmação. Com efeito, pode demonstrar-se (o que ficará para outra ocasião) que um dos mais significativos denominadores comuns da vanguarda actual é a luta contra a tendência elitária de uma arte feita por especialistas destinada ao entretenimento passivo da maioria e à posse egoísta de raros privilegiados. É a luta por uma maior ou total participação de todos; é a praxis daquela célebre afirmação de Lautréamont, o grande percursor: "A poesia deve ser feita por todos. Não por um".
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